quarta-feira, 4 de novembro de 2009

CRUIODADE












Ela ensinou ao Brasil a ser elegante.

Há 25 anos, Maria Augusta Nielsen encerrava sua badalada carreira de empresária à frente da Socila. Preparadora das candidatas do Miss Brasil, ela personificava a elegância dos anos 50 e fundou a primeira agência de modelos da América Latina. Aos 82 anos, sua trajetória vai virar filme e ela será personagem da minissérie “JK”, que estréia em janeiro.

Gugu, porque elegância é fundamental

Roni Filgueiras

Ela ensinou ao Brasil a ser elegante. Entre os anos 50 e 70, a empresária Maria Augusta Nielsen ditava o que era de bom tom em sociedade. Fundadora da Socila, em 1954, ela aceitou o convite de dona Sarah Kubitschek para preparar as filhas, Maria Estela e Márcia, para o début em Versailles.

— Passei a dar aulas no Palácio das Laranjeiras para as meninas. Depois disso dona Sarah reuniu as amigas e as irmãs para que eu as orientasse também. Até o presidente ia para lá na hora do lanche. E perguntava: “Como é que eu estou, professora, estou bem?”. E aí ele desfilava e também dizia que precisava de aulas. Eu dizia, “o senhor não precisa disso, presidente”. E ele respondia: “Preciso sim, sou de Minas”. Ele era muito engraçado, ficamos muito amigos — lembra Maria Augusta.

Foi o próprio Juscelino que, em 1957, ajudou a legalizar a escola de aperfeiçoamento social, já que não havia registro da profissão no país.

— Um dia tomei coragem e disse a JK: “Presidente, estou trabalhando na ilegalidade”. Então, ele reuniu uma banca examinadora com diplomatas do Itamaraty, um médico e professores para me argüir. Passei com louvor e recebi o registro — conta Gugu.

Depois da temporada no Palácio das Laranjeiras, freqüentar a Socila virou item obrigatório na agenda das moças bem-nascidas.

— Dona Sarah abriu portas incríveis, é claro que nós fizemos um bom trabalho, mas também tivemos uma estrela fantástica. Depois da temporada no Palácio, foi um deus-nos-acuda, veio toda a sociedade procurar a Socila, foi uma maravilha.

Maria Augusta lançou muitas delas em passarelas, inclusive no exterior: de Lúcia Moreira Salles — segunda brasileira a desfilar para a maison Chanel — e Cookie Richard a Marina Colassanti e Florinda Bolkan.

Gugu, como era carinhosamente chamada, tinha passe-livre nas maisons em Paris. De mademoiselle Chanel ganhou um desenho de Cocteau depois de uma entrevista em que se recusou a ser fotografada:

— Eu sempre ia a Paris para fazer cursos e fiz uma entrevista com Coco Chanel. No fim, eu pedi “agora eu quero fazer uma foto”. Ela se espantou: “O que querida?! Aqui está minha maison, minhas roupas, vou te dar um desenho do meu amigo, mas depois de 80 anos, ninguém mais me fotografa”.

Modelo da Baixada descoberta em elevador hoje é nobre na Itália

Gugu ergueu um império da beleza com filiais em quase todo o país, onde oferecia de cursos de modelo e etiqueta a tratamentos estéticos. Foi a precursora dos spas com o Beauté Services Socila.

— Na Europa era comum os serviços serem oferecidos em salões, mas para apenas uma necessidade. Eu trouxe aparelhos e técnicas da Europa e dos EUA e oferecia tratamentos completos para pele, flacidez, celulite, tudo num só lugar — conta a ex-empresária.

Ela abriu a primeira agência de modelos da América Latina nos anos 60 — as agências de propaganda já requisitavam as meninas da Socila para campanhas desde os anos 50. Foi casada três vezes (a primeira, por sete anos, com o ator Jardel Filho). Fez fortuna e perdeu tudo. Sua vida renderia um filme ou uma novela. E vai. Em janeiro de 2006, estréia “JK” , título provisório da minissérie escrita por Maria Adelaide Amaral, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro e dirigida por Denis Carvalho. No elenco, José Wilker, Wagner Moura, Marília Pêra, Maria Fernanda Cândido, Carlos Vereza, Hugo Carvana. Mila Moreira vai reviver Gugu na TV.

— Maria Adelaide e eu criamos uma personagem, Maria Alice, inspirada na Maria Augusta, uma figura importante no panorama sociocomportamental dos anos JK. Mila, com todo o seu charme, é a atriz perfeita para o papel — avalia o autor Alcides Nogueira.

Até o fim do ano, o diretor Anselmo Duarte Jr. retoma as filmagens do documentário “A batuta mágica” — alusão à bengala com que Gugu fazia a marcação no palco das candidatas aos concursos de beleza — que começou em 2003:

— A idéia de registrar a vida da Maria Augusta é antiga e tomou força dois anos atrás com a exposição na mídia que a moda brasileira e as nossas modelos alcançaram. A vida da Gugu se confunde com a história da moda no Brasil. Ela foi manequim, empresária, lançou as primeiras manecas e os estilistas Clodovil, Dener, Guilherme Guimarães, profissionalizou os desfiles de misses, viveu na Europa e foi amiga de todos os grandes costureiros — conta Anselmo.

Hoje, aos 82 anos, Gugu mora sozinha na Gávea. Recebe uma pequena aposentadoria do INSS, complementada pela ajuda dos muitos amigos no país e no exterior — algumas ex-modelos que lançou, como a manequim Josefa, uma jovem pobre da Baixada Fluminense descoberta num elevador, que desfilou para Balmain e casou-se com um nobre na Itália. Pragmática e bem-humoradíssima, Gugu freqüenta o Instituto Benjamin Constant, onde aprende computação:

— Estou cega do olho esquerdo e tenho 10% de visão no direito. É irreversível. Falei com a minha terapeuta e ela me aconselhou: “Assuma, você vai se sentir melhor e as pessoas também”. Lá aprendo a ser cega — diz sem floreios.

Quando o assunto é elegância, Gugu mostra que há coisas imutáveis:

— A evolução da moda é natural. Mas há coisas que não mudam, nas atitudes, por exemplo. Você pode impor suas opiniões de maneira elegante. O que falta no país é educação, em todos os sentidos. Conversar com as pessoas com a mão no bolso é um horror — decreta. — Todo mundo tem altos e baixos. Não me lembro de coisas desagradáveis e acho ótimo. Fiquei muito rica, depois houve um final melancólico. Estou pobre, essa é a verdade, mas estou feliz, as coisas materiais não me fazem falta. Não me sinto sozinha, recebo meus amigos, vivo de amor, por isso não fico velha.




Publicado no jornal O Globo em 02/07/2005
Caderno Ela

Fotos: abril.com.br/ailtonpitombo

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